Postais Esquecidos

ADRA
CAPITULO 5 | Ecuador

Um parêntesis excessivo

Na tarde do terremoto, Jessica estava com o filho caçula em um hospital distante de sua casa. Desesperada, ela voltou com o filho nas costas e descobriu que havia perdido tudo. Como é a vida em um campo de desabrigados? É possível seguir em frente quando você se sente derrotado?





Estreia: 06 de outubro

A primeira noite ela passou no monte, não sabe bem onde, isso não porque não se recorda, mas simplesmente porque não tem ideia de onde estava. Eles estavam em Portoviejo, a duzentos quilômetros de seu lar, e ela fugiu com o filho menor nas costas, da forma que pôde, colina acima. Não cochilou, nem tentou. Pensava com desespero em seus outros filhos que ficaram sós, distantes, e a angústia aumentava.  Todos ao redor se olhavam confusos. Todos ali eram desconhecidos, estavam confusos e cheios de medo. Um dos terremotos mais devastadores na história do Equador acabara de sacudir a província de Manabí.

Jéssica é mãe solteira de quatro filhos: Víctor, 15 anos; Génesis e Belén de 12 e 11 anos, e o sapeca Jeremi, de seis. Jeremi é sapeca quando pode, o que não ocorre na maioria das vezes porque passa dias internado, prostrado pelo tratamento de uma doença que ainda não teve um diagnóstico conclusivo. Naquele dia a Jéssica havia viajado com seu pequeno para a consulta mensal no hospital público regional. Mas ir até Portoviejo, saindo de Jama, seu povoado, não apenas requer quatro a cinco horas para ir e outras tantas para voltar, mas dólares que ela não tinha e que para ela eram e ainda são tão tortuosos para conseguir quanto os medicamentos.

“Na primeira noite do terremoto, ficamos ali em cima, no monte, porque as pessoas diziam que viria um tsunami. Abaixo se ouviam gritos, podíamos ver os incêndios na escuridão e eu não conseguia deixar de pensar nos meus filhos. Não conseguia parar de pensar em como fazer para voltar para Jama e pegá-los”, contou Jéssica enquanto desembaraçava o cabelo encaracolados da Belén, sua bruxinha mais nova. “Mas não havia quem nos trouxesse, apenas rumores de que a estrada fora destruída e que a qualquer momento ocorreria o tsunami, e que o edifício da prefeitura havia caído; diziam que o tsunami nos alcançaria ali onde estávamos e que havia pessoas presas pedindo ajuda, e que o tsunami...”.

Eles não comeram nada. O Jeremi dormiu em seus braços e ela não pôde conter as lágrimas diante de sua impotência. Pela manhã, as primeiras luzes iluminaram a devastação. Era real. O pesadelo era real. As réplicas do terremoto aumentavam seu desespero e medo, mas ela não se importou com as conjecturas e não esperou mais. Decidiu caminhar de volta para casa. Na estrada, um casal lhe disse que iriam subir pelo rio para encurtar o caminho e lhe disseram que se quisesse poderiam ir juntos. Ela não hesitou e carregou o Jeremi. Horas de caminhada através do campo destruíram suas sandálias e esgotaram suas forças. Ela não aguentava mais. Estava descalça, com o filho nas costas, com fome e sabia que nesse ritmo não chegaria a tempo e assim o único que queria era parar, cair no chão e chorar. No primeiro grupo de casas que viu na estrada, pediu ajuda. À distância reconheceu uma caminhonete do governo e se lançou sobre ela. Rogou ao motorista que os levasse, mas eles estavam indo em direção contrária. Deram-lhe dólares para o almoço e para poder pagar por algum transporte. A estrada estava em mau estado e houve deslizamentos, mas os primeiros veículos já estavam se aventurando e assim ela conseguiu chegar a Jama.

As palavras da Jéssica ao descrever sua aflição se tornam vertiginosas e difusas. Era tarde e correu até o quarto que alugava e teve dificuldades para reconhecer que fora ali que vivera. Tudo havia desabado. Desesperada, correu até a prefeitura e a encontrou destruída. Correu até o posto policial, mas o edifício desabara. Então ela para e o relato, que se torna concreto e contundente quando lhe dizem, alguém lhe disse, e ela não lembra quem, que seus filhos estavam no cemitério.

 

Génesis no cemitério

O cemitério de Jama foi construído sobre uma colina que pode ser vista de longe. É curioso o lugar escolhido para as sepulturas, que se destaca como em nenhum outro povoado. Para ali fugiu a metade da população, depois do terremoto devido ao rumor do tsunami. Outro grupo se apertava no monte adjacente, os demais estavam sob os escombros.

Ao saber que seus filhos a aguardavam ali lhe deu a energia necessária para subir por entre cruzes e anjos de asas quebradas. Víctor, o mais velho, havia conduzido suas irmãs até um canto que parecia seguro. Belén, a mais nova, não se dava conta do ocorrido. Porém, a Génesis estava em choque. O terremoto ocorreu quando estavam sozinhos e isso calou fundo nela, que não parava de chorar.

“Passamos três dias e três noites e somente havia um par de lençóis que prendemos a uns paus para nos proteger. Mas começou a chover e se tornou impossível ficar ali”. Durante as primeiras semanas a Jéssica e os filhos receberam assistência dos equatorianos que se mobilizaram para ajudar as vítimas. Então o governo instalou o primeiro campo de refugiados em Jama e lhes deram uma barraca. Eles haviam perdido tudo.

Foram meses enfrentando chuvas, barro, espaços incômodos e os inconvenientes típicos dos acampamentos: falta de intimidade, perda de paciência, vulnerabilidade e estresse pós-traumático. Um evento trágico para uns e fugaz para outros, um parênteses excessivo e definitivo na vida da maioria dos manabitas. A Jéssica diz que a Génesis foi a mais afetada. “Eles a mantiveram com tratamento psicológico e até mesmo com calmantes. Ela chorava por qualquer coisa e sentia medo a todo instante”. Mas agora dança e brinca mais tranquila.

Um grupo artístico acompanhou as meninas e mulheres de diferentes albergues —os campos de refúgio— com terapias de dança, folclore e pintura. Génesis participou de todos os ensaios e se destacou na apresentação final no encerramento do projeto. Sua mãe, sentada nas primeiras filas, aplaudia com orgulho, enquanto era tocada a música da iguana, uma dança tradicional centenária.

Depois da resposta inicial à catástrofe, o trabalho da ADRA Equador se estendeu com ajuda humanitária para atender às necessidades de alojamentos seguros para as famílias que perderam suas casas e que estavam em albergues, tendas e em refúgios provisórios, como no caso da Jéssica e os filhos.

Apoiada no umbral de sua nova casa, sua casa própria, a Jéssica se emociona. Ela quer agradecer, mas fica emocionada e esboça um sorriso ao mesmo tempo em que uma lágrima rola por sua face esquerda.

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As respostas da ADRA Equador
O Projeto Coaque Shelter Project and Recover, financiado pela ADRA Sul-Americana, pela ADRA Alemanha e por diferentes entidades de cooperação permitiu a construção de 170 Alojamentos Temporários Emergenciais, sob os parâmetros da Direção de Planejamento do Município, Normas Mínimas Esfera e resistentes a terremotos.
A ADRA Equador geriu a construção de uma nova infraestrutura de saneamento e conserto da existente, danificada pelo terremoto. Além disso, ofereceu oficinas de apoio psicossocial familiar, com uma equipe profissional interdisciplinar, e oficinas sobre o uso adequado da água.




Créditos

Ideia e realização:  ADRA Sul-Americana
Direção executiva:  Paulo Lopes  |  ADRA Sul-Americana
Produção audiovisual:  Migue Roth & Bruno Grappa  |  Angular
Assistência executiva:  Silvia Tapia Bullón e Juninha Barboza
Trilha sonora e produção musical:  Nacho Alberti, Pablo Palumbo & Emanuel Zúñiga Vincent
Fotojornalismo:  Bruno Grappa & Migue Roth  |  Angular
Locução:  (Espanhol) Javier López Ortega  /  (Português) Robson Rocha
Tradução e revisão:  Adriana Oudri, Arlete Vicente e Beatriz Ozorio | IASD DSA
Web Design:  Lean Perrone
Crônicas:  Migue Roth |  Angular

www.adraamericadosul.org

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